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Cancros Digestivos: o silêncio que custa vidas em Portugal

🕒 2025-10-04 00:28h


Artigo de Opinião | Vítor Neves | Cancros Digestivos: o silêncio que custa vidas em Portugal





Em Portugal, todos os dias, cerca de 30 pessoas perdem a vida devido a cancros digestivos². Em 2022, estes tumores (incluindo estômago, colorretal, pâncreas, fígado e esófago) representaram uma fatia substancial da carga oncológica nacional². Estes números, por si só alarmantes, ganham contornos ainda mais dramáticos quando percebemos que Portugal está entre os países com maior incidência e mortalidade por cancro do estômago na Europa Ocidental, com especial peso no Norte do país¹.

O Dia Mundial do Cancro Digestivo, que se assinalou esta semana, deve ser mais do que uma data simbólica. É um alerta para uma crise de saúde pública que continua a crescer perante os nossos olhos. Até 2045, as projeções internacionais apontam para um aumento dos novos casos de cancros digestivos em Portugal, se nada mudar, à semelhança da tendência europeia². Isto traduziria um falhanço coletivo em travar doenças que, quando diagnosticadas precocemente, têm hipóteses reais de tratamento eficaz.

Porque razão Portugal tem este peso tão desproporcionado? A resposta está em fatores culturais e estruturais. A dieta tradicional, rica em sal e fumeiro, o consumo persistente de álcool e tabaco, as taxas de obesidade e sedentarismo e, sobretudo, a elevada prevalência da infeção por Helicobacter pylori (agente carcinogénico para o estômago) explicam parte desta realidade. Mas não podemos ignorar um fator igualmente grave: o silêncio e a normalização dos sintomas. Durante meses, demasiados portugueses convivem com perda de apetite, perda de peso, azia frequente ou dor persistente no estômago sem procurarem ajuda médica. Quando chegam ao consultório, o cancro está muitas vezes em fase avançada, com opções terapêuticas mais limitadas.

É urgente quebrar este ciclo. Precisamos de apostar em campanhas de sensibilização em linguagem clara e enfrentar uma das falhas mais graves da saúde pública em Portugal: a ausência de um programa de rastreio de base populacional.

Em 2024, foi dado um primeiro passo com um projeto-piloto nos Açores: rastreio gratuito da infeção por Helicobacter pylori na ilha Terceira, através das farmácias. É um avanço importante, mas localizado e de caráter piloto; à escala nacional, o rastreio continua oportunístico, sem cobertura universal nem organização populacional.

De forma semelhante, no cancro colorretal não existe ainda um programa nacional universal de rastreio de base populacional: a implementação permanece regional e desigual, deixando grandes segmentos da população sem acesso regular e equitativo.

A prevenção e o diagnóstico precoce são as nossas maiores armas e passam por reduzir fatores modificáveis como o tabaco, o álcool, o excesso de sal, a obesidade e o sedentarismo; detetar e erradicar H. pylori em larga escala, com vias de acesso simples; garantir endoscopia atempada sempre que haja sintomas persistentes ou lesões pré-malignas; e evoluir de pilotos locais para programas organizados, com convites sistemáticos, monitorização e auditoria, assegurando equidade territorial. É também essencial garantir um rastreio de base populacional para o cancro colorretal no nosso país.

O impacto dos cancros digestivos vai muito além das estatísticas: sofrimento físico e emocional e diagnósticos tardios porque o sistema e a sociedade não responderam a tempo. Cada atraso significa menores probabilidades de sobrevivência.

Não podemos aceitar que Portugal lidere nas piores estatísticas. Não podemos permitir que a normalização do risco nos torne indiferentes. Temos de agir agora. O futuro pode parecer distante, mas 2045 está a duas décadas de distância. O que fizermos — ou não fizermos — hoje determinará quantas vidas conseguiremos salvar amanhã.

É tempo de transformar o silêncio em ação e inverter esta realidade.

Referências
¹ Registo Oncológico Nacional 2020 – SNS Portugal. Disponível em: ron.min-saude.pt
² Globocan 2022 – International Agency for Research on Cancer (IARC). Disponível em: gco.iarc.who.int








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